Liderança de outro mundo

O primeiro livro da trilogia As Crônicas de Aedyn chegou ao Brasil. O autor, o já consagrado acadêmico irlandês Alister McGrath, se aventurou em um novo gênero literário – a fantasia. Sem abandonar seu amor à teologia, à história do pensamento teológico e à apologética; antes, tomando todo seu vasto conhecimento como fundamento, Alister construiu um outro mundo – Aedyn.

Segundo o próprio autor, o livro tem as crianças como público alvo. Porém, seu objetivo maior é tornar temas cristãos mais acessíveis. Segundo McGrath, o tema do primeiro livro da série é confiança em Deus.

As comparações com C. S. Lewis e o mundo Nárnia são inevitáveis. Em primeiro lugar, ambos são cristãos. Ou seja, eles têm a mesma cosmovisão. Segundo, não há como escrever no gênero fantasia, sendo cristão, sem ter a influência de Lewis. Tal influência revela-se nos estudos de Alister. Atualmente ele tem se dedicado ao estudo de C. S. Lewis e está preparando uma biografia sobre seu conterrâneo a ser lançada em 2013 – aniversário de 50 anos da morte de Lewis. Como nada em McGrath é superficial, certamente teremos uma grande obra.

Quando comento (formal ou informalmente) uma obra dessa natureza fico sempre numa luta sobre o que devo ou não posso compartilhar. Temo comprometer o impacto da obra para aqueles que ainda não a leram. Prometo tentar não “falar” demais. Na verdade, meu desejo com esse post é instigar a leitura da obra comentada.

Os personagens principais do livro são Júlia e Pedro, irmãos levados a um outro mundo – Aedyn. Lá, como na Terra Média de Tolkien e na Nárnia de C. S. Lewis, somos seduzidos pelo desconhecido e o inesperado dos “outros mundos”. Os ensinamentos não estão presos na história. Como nos livros de fantasia, As Crônicas de Aedyn trazem os famosos princípios atemporais corolários da famosa expressão “era uma vez” (Aliás, é assim que o livro começa). Portanto, os problemas bem como suas devidas soluções no mundo desconhecido são aplicáveis a “qualquer mundo”.

São várias as lições. Pode-se aprender sobre julgamento precipitado, tentação, soberania de Deus, esperança, cobiça, etc. Todos, evidentemente linkados com o tema maior: confiança em Deus.

Das lições que marcaram minha leitura de Aedyn quero ressaltar somente aquelas que lidam com o exercício da liderança. Com isso não estou restringindo o artigo aos líderes oficialmente reconhecidos. Todos, homens e mulheres, são chamados por Deus a exercer algum nível de liderança. Portanto, pode continuar lendo.

O primeiro princípio: os verdadeiros líderes não buscam poder, mas responsabilidades. Esse princípio é ilustrado em três personagens que representam o despotismo e buscam o poder resultante da liderança tirânica e não o amor servil às pessoas. Aqui somos desafiados a questionar as intenções e os objetivos de nossa própria liderança. O objetivo vil e escancarado dos três personagens pode revelar nossos objetivos igualmente vis, porém ocultos de nós mesmos, por nós mesmo. Fica aqui o primeiro desafio.

Um outro princípio sobre liderança diz respeito à sua relação com a segurança. Antes de exercer liderança, um dos personagens passa por um teste/tentação/provação. Uma das tentações era exatamente a busca por segurança. A isso o autor assegura: “[fulana] não fora chamada de outro mundo para permanecer em segurança, mas para liderar”.

Trata-se de um fato: ser líder é andar em campo minado e em constante perigo. Acho até que o vocábulo “exposição” em alguns contextos seria o sinônimo ideal para “liderança”. Todo líder está exposto às criticas injustas, traições, más compreensões, maledicências etc. Somos a infantaria da igreja – a linha de frente. Estamos à frente combatendo os que se colocam em oposição e vez por outra (para não dizer quase sempre) recebemos golpes daqueles que protegemos. Nunca conheci nenhum irmão com o nome de Judas ou de Brutus; mas nenhum pastor com mais de cinco anos de ministério negará que esses são nomes que se encaixam muito bem em muitos crentes professos. Em suma, a rima de “liderança” com “segurança” é só uma “pegadinha” da língua portuguesa e está bem longe da realidade.

Diante do que foi considerado acima, é esquisito ver líderes evitando a exposição clara e direta das verdades bíblicas enquanto acampam “em cima dos muros” da segurança. Oh, que tristeza! Esquecem que nossos púlpitos não são palanques, nem palcos onde entretemos e/ou falamos exatamente o que as pessoas querem ouvir. Nosso objetivo é levá-las à reflexão e isso implica que devemos alertá-las sobre quem elas realmente são – “Joãos Ninguéns”. Isso, tenho certeza, não é nada seguro. Evidentemente que não estou ignorando o fato de que nossa segurança está em Deus. O desafio aqui é exatamente esse: confiar em Deus a despeito da insegurança de liderar Seu povo.

Uma das cenas que me marcou foi quando um dos personagens olha para o reflexo de um lago. Ao responder aos questionamentos de Gaius, seu mestre, o personagem responde: “eu não me vejo”. Fantástico! Que líder é esse que não se vê? Certamente um líder de outro mundo. Chegamos a terceiro e último princípio fundamental em um líder – a humildade.

Devido a temática sou levado instantaneamente a Filipenses 2.5 quando Paulo nos diz que devemos ver nossos irmãos como superiores a si mesmos. Uma definição perfeita de humildade. Sempre me questionei quanto ao significado desse texto. Se Paulo nos exortasse a vermos nossos irmãos como iguais, ainda assim, mas ele nos diz que devemos vê-los como superiores. O exemplo que segue nos versos 6-11 é o próprio Cristo. Ele não se apegou ao fato de ser Deus; antes tornou-se homem revelando seu caráter servil. O texto não está afirmando que devemos entender que tudo que temos, temos recebido, por isso devemos não nos apegar a isso no nosso lidar com os demais. Isso é parte da verdade. O foco é, mesmo que tenhamos algo, como Cristo a Sua divindade (diferente de nós que não temos nada por nós mesmo por sermos criaturas), não devemos nos apegar a isso. Dessa forma veremos nos irmãos os dons divinos, por conseguinte, os consideraremos superiores. Deus deseja que vejamos os Seus dons nos nossos irmãos, mas não nos apeguemos ao que nos foi dado. Ou seja, que não vejamos a nós mesmos. Eis o nosso último desafio: Esvaziemo-nos; Anulemo-nos.

Que sejamos líderes de “outro mundo”.

Recebam as pérolas

Essa semana chegou às minhas mãos, como um presente de Deus, o livro O PASTOR COMO MESTRE E O MESTRE COMO PASTOR de Piper e Carson pela Editora Fiel. Em uma palavra: impactante.

Trata-se de um livro produzido em decorrência de uma conferência realizada em abril de 2009 em Chicago. Quanto à dimensão, trata-se uma obra pequena (somente dois capítulos). Quanto ao poder de cada palavra, trata-se de uma obra monumental.

Os leitores, os próprios autores e até mesmo os editores poderiam me acusar de excesso ao usar a palavra “monumental”, mas penso que a temática desenvolvida no livro explique todo o meu entusiasmo. A despeito de entender que a obra pode ser lida por um público muito mais amplo (isso é afirmado claramente por Carson na sua conclusão), acho que a minha realidade explica o “louvor acentuado”: Sou um pastor e ensino em um seminário. A identificação com as experiências que esses dois homens compartilham nessa obra torna-se, portanto, inevitável. Além disso, há ainda o fato de que os dois autores estão no meu TOP 20 junto com C. S. Lewis, Calvino, Agostinho.... Há um fato que não pode ser ignorado também: o livro tem “momentos proverbiais”. São verdadeiras pérolas. Um dos motivos desse pequeno post é compartilhá-las. Deliciem-se:

Pérolas de Piper:
Muitos pastores, especialmente aqueles que amam a gloriosa visão do ser de Deus, de sua beleza e de seu plano de salvação, têm uma inclinação para a erudição que ameaça intelectualizar demais a fé cristã; isso significa que eles tornam a fé cristã principalmente em um sistema a ser meditado, e não uma maneira de vida a ser sentida e vivida.
O próprio Diabo tem muitos pensamentos corretos sobre Deus. Imagino que o Diabo é, em algumas doutrinas, mais ortodoxo do que nós – mais correto do que nós somos. Mas nenhuma dessas doutrinas produz na mente do Diabo amor a Deus, adoração a Deus e deleite em Deus.
O uso da mente para chegar ao verdadeiro entendimento é necessário para que nossa satisfação em Deus seja uma honra para ele.
Se a sua mente, ao estudar a verdade, o leva a uma convicção que o colocará em problemas, creia na verdade! Fale a verdade! Há tantos pastores escondem suas convicções de seu povo por que temem conflitos.
Não permita que alguém lhe diga que o trabalho mental árduo não seja espiritual.
…a própria existência da Bíblia como um livro indica que o pastor é chamado a ler cuidadosa, exata, completa e honestamente. Ou seja, ele é chamado a ser um mestre.
O que “mestre” significa para mim é que o maior objeto do conhecimento é Deus, que ele se revelou a si mesmo com autoridade em um livro e que devo trabalhar, com toda a minha força, todo o meu coração, toda a minha alma e toda a minha mente, para conhecê-lo, gozá-lo e torná-lo conhecido para alegria de outros.
Pérolas de Carson:

O amor a Deus nunca deve ser degenerado em confissões de paixão sem pensamento, em tagarelice sentimental.
Nada é tão enganoso como uma mente evangélica erudita que pensa estar especialmente próxima de Deus por causa de sua erudição, e não por causa de Jesus.
Em algum nível, erudição sem humildade e obediência é arrogância. Falar em conhecer e amar a Deus sem erudição é ignorância.
Se você não se envolver ativamente no ministério pastoral, em um sentido ou outro, você ficará distante das linhas de frente e, por isso, se tornará menos útil do que poderia ser.
Combata, com todo empenho do seu ser, a disjunção comum entre “estudo objetivo” da Escrituras e “leitura devocional” da Escritura.
O alvo nunca é dominar a Palavra; é ser dominado por ela.
Não ouso esquecer nunca que os alunos não aprendem tudo que eu tento ensinar-lhes, mas eles aprendem primariamente aquilo que me entusiasma.
Tenho vários livros chamados “de cabeceira”. São aqueles que vez por outra nos vemos lendo-os. Posso citar alguns: O Peregrino de Bunyan, Ortodoxia de Chesterton, Cristianismo Puro e Simples de C. S. Lewis, Teologia da Alegria de Piper. Agora O Pastor Como Mestre E O Mestre Como Pastor se juntará a todo esse conselho de sábios.

Obrigado Pr. Magno César pelo belo presente!

Perfil

Minha foto
Rômulo Monteiro alcançou seu bacharel em Teologia (Seminário Batista do Cariri – Crato/CE) em 2001; concluiu seu mestrado em Estudos Bíblicos Exegéticos no Novo Testamento (Centro de Pós-graduação Andrew Jumper – São Paulo/SP) em 2014. De 2003 a 2015 ministrou várias disciplinas como grego bíblico e teologia bíblica em três seminários (SIBIMA, Seminário Bíblico Teológico do Ceará e Escola Charles Spurgeon). Hoje é professor do Instituto Aubrey Clark - Fortaleza/CE) e diretor do Instituto Bíblico Semear e Pastor da PIB de Aquiraz.-CE Casado com Franciane e pai de três filhos: Natanael, Heitor e Calebe.