Deixar de fazer o bem é uma forma de fazer o mal.

A omissão parece ser uma opção confortável ante a dificuldade de satisfazer os mandamentos de Yahweh. Ela aparentemente nos protege da exposição, da vergonha, da crítica e da rejeição. No refúgio da indiferença ainda temos a oportunidade de sermos confundidos com os prudentes e os mansos. A Escritura (cf. Lc. 6:9; Tg. 4:17), contudo, vai de encontro a essa tendência tentadora de considerar a omissão do dever conhecido uma opção legítima, uma vez que se trata de algo menos grave do que a ação pecaminosa. A despeito de suas diferenças, ambas (ação e omissão) são confrontadoras, pois, de acordo com as passagens citadas acima, rejeitam a vontade clara do Senhor. A primeira rejeita a proibição (aspecto negativo) dos mandamentos enquanto a segunda ignora seu caráter exortativo (ou positivo).

Encontramos o mesmo princípio apresentado por Cristo e Tiago (cf. Lc. 6:9; Tg. 4:17) na estrutura humana e social. Explico: Toda sociedade possui seus próprios mandamentos. Na sociedade ocidental, por exemplo, todo filho espera cuidado e atenção de seus pais. Podemos também assegurar que todo cônjuge espera fidelidade, zelo e amor, assim como todo cidadão espera proteção e boas condições de vida dos seus governantes. É fato que algumas pessoas esperam além do que se deve, mas quando uma expectativa é fundamentada em uma obrigação (pressuposta, declarada, cultural etc.), temos uma expectativa autêntica. Negligenciá-la não é somente omitir o bem; antes, é cometer um grande mal, pois se vai de encontro a um compromisso estabelecido. A omissão, portanto, é a negação (ação) de uma expectativa válida.

Todo filho esquecido, todo cônjuge tratado com indiferença e todo cidadão negligenciado, bem como todo ateu injustiçado, são obrigados a concordar com a proposta de cristã de que há transgressão no “deixar de fazer o bem”. Dificilmente um filho vê a omissão de seus pais simplesmente como uma oportunidade perdida ou uma opção negada. O mesmo pode-se dizer do cidadão diante da omissão dos políticos; da esposa ante a indiferença do marido; e do ateu diante da paralisia da justiça. Todos tratam a negligência como uma atitude confrontadora. É um confronto, pois todos esperam que se cumpra aquilo que tomam como mandamento.

Pensemos nas campanhas de ajuda humanitária. Muitos dos seus apelos soam como verdadeiras acusações contra o pressuposto “dever humano” de ajudar o seu próximo. Pressupõe-se que é “humano” ajudar o próximo como é “humano” cuidar dos filhos. As acusações de ignorar os desprovidos, negligenciar os necessitados e/ou omitir­-se à mão erguida do pobre, pressupõem a obrigação (mandamento) humana de ajudar o próximo. Assim como nos casos acima, escolher não ajudar não é visto como um exercício de liberdade autêntica ou uma opção legítima, antes, como um ato contra a humanidade.

Na prática, nossa alucinada sociedade sabe que o ódio (ação) não é a antítese perfeita do amor; e sim a indiferença (omissão). Ela rejeita o cristianismo, mas ainda quer seus mandamentos e julga os que lhes são omissos. O próprio Deus foi morto exatamente por Sua “omissão”. A pedra angular do ateísmo não é a falta de compreensão quando aos feitos (ações) de Deus, mas a Sua suposta “omissão” para com Seus próprios mandamentos e aos mandamentos (ou expectativas) dos homens. Assim como todo incrédulo crê em si mesmo, todo antinomista tem seus mandamentos e não suporta que os rejeitam – nem mesmo Deus.

Se uma sociedade entregue a si mesma, com sua ética utilitarista, pragmática e subjetiva não tolera a omissão a uma obrigação (mandamento) pressuposta (subjetiva), o que dizer da omissão dos cristãos que alegam possuir suas obrigações proposicionalmente reveladas nas Escrituras? Essa mesma sociedade, mesmo que cega e perdida, instintivamente parece entender os grandes males da omissão dos seus próprios mandamentos. O mesmo parece não ser verdade quanto ao evangelicalismo que, dentre muitas omissões, tem diluído a única mensagem que foi lhe dada – o Evangelho simples de Cristo. Tolera-se (omissão) o silêncio (omissão) quanto à mensagem confrontadora do evangelho. É omissão sobre omissão. Esse silêncio, contudo, não é uma opção para a igreja, assim como também o escândalo ou a perseguição resultante da proclamação que lhe é devida (cf. 1Co. 1:23; 1Tm. 3:16; 2Tm. 3:12). Não nos foi dada a liberdade de não confrontar.

Se nos foi dada uma missão (preservar e proclamar o Evangelho), a omissão torna-se o mesmo que uma ação e/ou uma escolha rebelde. Deixar de fazer, quando se deve, é rebelião. Toda escolha é uma renuncia. Não existe neutralidade quando se exige atitude. Diante de um mandamento só podemos obedecê-lo ou rejeitá-lo. Deixar de fazer o bem é uma forma de fazer o mal.

Um comentário:

  1. Acabei de ler esse artigo e corei de vergonha só de pensar em quantas vezes sou omissa e negligente quanto aos mandamentos do Senhor. Mas, é disso que precisamos, ser confrontados a cada dia c/ a palavra de Deus. Obg por sua dedicação e zelo no ensino dessa palavra que é a nossa fonte de vida.

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Rômulo Monteiro alcançou seu bacharel em Teologia (Seminário Batista do Cariri – Crato/CE) em 2001; concluiu seu mestrado em Estudos Bíblicos Exegéticos no Novo Testamento (Centro de Pós-graduação Andrew Jumper – São Paulo/SP) em 2014. De 2003 a 2015 ministrou várias disciplinas como grego bíblico e teologia bíblica em três seminários (SIBIMA, Seminário Bíblico Teológico do Ceará e Escola Charles Spurgeon). Hoje é professor do Instituto Aubrey Clark - Fortaleza/CE) e diretor do Instituto Bíblico Semear e Pastor da PIB de Aquiraz.-CE Casado com Franciane e pai de três filhos: Natanael, Heitor e Calebe.